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segunda-feira

CHICO XAVIER E SAULO GOMES, GRANDES AMIGOS.




 

A busca pela verdade em fatos no cenário político e social brasileiro deu a tinta necessária à caneta de Saulo Gomes, repórter investigativo por 55 anos. Na rádio e na tevê, o jornalista carioca colecionou grandes prêmios com reportagens que revelaram esquemas de corrupção e outras “pedras no sapato” de muitos poderosos. Tanto que foi perseguido, preso, caçado pela ditadura em 1964, exilado no Uruguai e absolvido de centenas de processos criminais e cíveis. Hoje, aos 84 anos, Saulo não enverniza o passado. Lembra-se de erros e acertos, destacando, com orgulho, um dos maiores desafios da carreira. Foi ele quem entrevistou pela primeira vez aquele que se tornaria uma figura emblemática para a comunidade espírita e para a história do país: Francisco Cândido Xavier. O médium, que “desencarnou” há 10 anos, também se tornou um dos grandes amigos do jornalista.


A primeira reportagem que Saulo fez sobre Chico Xavier mostrou à grande imprensa um retrato do homem que se comunicava com os mortos e trazia alento a tantas famílias. A matéria O detetive do além para o programa As grandes reportagens, da TV Tupi, foi a primeira oportunidade, entre muitas que viriam pela frente, do repórter investigativo fitar “olho no olho” o homem sobre o qual se referiam ora como bruxo, ora como santo. Desde então, carregaria consigo um vasto acervo de depoimentos do médium, de quem foi amigo e confidente por mais de três décadas. Em viagem para divulgar o livro As mães de Chico Xavier (Ed. Intervidas), o jornalista e escritor contou  alguns desses episódios que mantém vivos na memória. 
Qual foi sua opinião sobre o médium?
Quando saí da cadeia em 1966, havia a ordem do governo militar para que eu não trabalhasse no Rio de Janeiro. Me refugiei em São Paulo. Chico Xavier sempre esteve ligado a São Paulo, onde tinha amigos, fazia tratamento médico, etc. Foi nessa época que comecei a ouvir muito o nome dele e comecei a fazer um trabalho de aproximação. Até que, em 1968, consegui mandar recados por meio de colegas espíritas do Chico. No fim de abril, recebi uma resposta: “O Chico quer conversar com você, sem câmeras e microfones”. Fui para Uberaba, mas como velho experiente, acompanhado por uma equipe de nove operadores técnicos e de um caminhão de externa para fazer a entrevista. O pessoal ficou em um hotel a 3km da casa do Chico e eu fiquei sozinho com ele algumas horas conversando. Foi quando ele olhou para mim e disse: “Você é aquilo que eu pensava. Pode voltar para o hotel e buscar seus colegas. Vamos fazer a entrevista”. A reportagem foi um desafio. O país ostentava o título de maior nação católica do mundo e aquela entrevista teve uma repercussão estrondosa. Foi reprisada várias vezes. A partir daí, a grande imprensa abriu as portas para o trabalho de Chico Xavier. Quebrava-se o tabu. Tudo quanto foi programa de televisão queria levar o Chico e em todo programa que ele ia, me ligava perguntando se podia acompanhá-lo. Consequentemente, nos tornamos amigos. 
Por que o senhor achava importante, naquela época, que as pessoas conhecessem Chico Xavier?
Porque havia uma grande especulação sobre ele. Muitas relacionadas à matéria negativa feita pela revista O Cruzeiro. O espiritismo também era proibido no país. As pessoas tinham vergonha de dizer que eram espíritas. Ou seja, havia essa curiosidade e especulação sobre o espiritismo, se era coisa de outro mundo. Depois de conhecer detalhes da vida do Chico, achei que a pessoa certa para falar sobre isso era ele. Como repórter investigativo, eu também queria saber quem era Chico Xavier. 
Essa curiosidade fez com o que o senhor se tornasse espírita?
Não discuto, nem falo de espiritismo. Falo de Chico Xavier. Quando me perguntam se depois de ter conhecido o médium, me tornei espírita, respondo: “Não. Eu sou repórter”. Repórter não tem que dizer seu clube de futebol, ideologia política, nem religião. Para minha reportagem, não interessa minha religião. Se eu fosse um repórter espírita, no programa de TV Pinga-Fogo, não correria o risco de colocar céticos ou católicos fazendo perguntas para o Chico Xavier.
Tanto que o Pinga-Fogo se tornou um importante documento histórico sobre o médium. Como o senhor convenceu Chico Xavier a falar em cadeia nacional?
Decorridos três anos de tanta repercussão em grandes jornais, revistas e programas de TV, em 1971, a direção da TV Tupi nos chamou para buscar algum entrevistado que pudesse alavancar a audiência do programa. Indiquei o Chico e um dos diretores me falou: “Respeito você, mas querer trazer pai de santo para o Pinga-Fogo?” Por aí você já tem uma ideia do desconhecimento das pessoas na época. Também ficaram com medo de uma fuga de anunciantes. Outro diretor achou que a Igreja Católica poderia criar problemas. Resultado: paramos de discutir isso e fiquei quieto uns dias. Até que em 27 de julho, Chico Xavier entraria no ar. O programa era sempre de uma hora e meia, e pela primeira vez, por ordem do diretor e dos Diários Associados, houve a ordem de cortar os comerciais e prosseguir o programa. Ficamos 3 horas e 20 minutos no ar. Cinco meses depois, Chico Xavier voltou ao programa fechando o ano. Aí, a redação já perguntava: “Será que o Chico Xavier aceita voltar ao programa?” Ou seja, outra história. Repetiu-se o fenômeno. O mesmo índice de audiência do primeiro programa. Isso que era um programa de entrevistas, não um show de Roberto Carlos. Na rua, por volta de meia-noite, o povo queria invadir a emissora para conhecer o Chico. Fecharam o bairro do alto do Sumaré (SP) e tivemos que pedir ajuda da Polícia Militar para organizar o trânsito. No dia seguinte, esse era o assunto nas ruas, barbearias, bares, portas de escolas, cinema… É como se estivessem comentando o resultado da final da Copa do Mundo.
De repórter investigativo a porta-voz do legado de Chico Xavier. Como foi essa mudança? 
Estou vivendo esse papel. Um série de desencantos com a televisão fez com que me recolhesse há 12 anos. Desde 2006, me dedico à memória do Chico. Não estou divulgando o espiritismo. Lógico que, em consequência do que estou fazendo, a religião está sendo divulgada. O trabalho que estou fazendo é importante, no campo jornalístico, inclusive, porque continuo exaltando a figura de uma pessoa extremamente humana, honesta e que comprovei como repórter investigativo porque não encontrei nenhum deslize no Chico Xavier. Era isso o que eu estava procurando. Não esqueça que eu estava ao lado do Chico como repórter investigativo. O fato de eu não ter mais me afastado dele durante meu trabalho me permitiu conhecê-lo melhor. Foram dezenas de reportagens que fiz com ele, além do Pinga-fogo e da entrevista de 1968. Acho que tenho como missão mostrar essa acervo para o público. 
Qual a sua participação no livro As mães de Chico Xavier? Ele veio antes ou depois do filme? 
O Pinga-Fogo, nas palavras do diretor Daniel Filho, foi o fio condutor da história de Chico Xavier no cinema em Chico Xavier, o filme. Daniel tinha a biografia do Chico, escrita por Marcelo Souto Maior, o que gerou a ideia de levar a história ao cinema. Mas ele procurava um rumo. Quando soube do DVD do programa, me disse que esse seria o fio condutor. Já o filme As Mães de Chico Xavier foi uma ideia dos diretores da Estação da Luz após uma leva de filmes sobre esse gênero no cinema. A equipe analisou 85 mensagem psicografadas para mulheres que, de forma trágica, perderam os filhos. Depois, selecionaram as três histórias que estão no filme. Quando ele estava pronto, houve uma inversão. Me convidaram para organizar o livro, falar dos bastidores do filme. Quando chegou para nós o texto dos bastidores feito por dois colegas jornalistas (Ana Karla Dubiela e Júlio Sonsol), procuramos falar mais sobre quatro tópicos vivenciados por essas mulheres: morte, aborto, drogas e suicídio. Procuramos textos de grandes autores espíritas que falavam sobre esses assuntos, entre eles, Chico Xavier. Além disso, tivemos o cuidado de procurar em São Paulo, algumas dessas mães verdadeiras. Enquanto no cinema são três mães, no livro, sete contam como amenizaram a dor, o que aconteceu na vida delas, a certeza que tiveram que o filho continuava em outra dimensão. Enfim, um alento levado ao coração dessas mães pelo trabalho de Chico. 
O senhor já presenciou uma sessão em que Chico Xavier psicografou alguma carta?
Algumas delas. Entretanto, nunca explorei isso nas minhas reportagens. Era algo muito chocante e dramático, embora de excelente sabor jornalístico. Algumas noites em que estive em Uberaba vivi essa cena indescritível. Eram sempre oito, 10 mães com o mesmo intuito de receber uma mensagem do filho. Vez ou outra saía uma carta para duas ou apenas uma mãe. No momento em que o Chico fazia a leitura, elas se surpreendiam, choravam, gritavam ou desmaiavam. Todas se contagiavam com o mesmo sentimento. Mesmo aquelas que não recebiam uma carta se abraçavam como se tivessem sido beneficiadas pela mensagem das outras. Chico chorava junto com elas. Era algo difícil de descrever. 
Já teve alguma carta psicografada por ele?
Tive e vou publicá-la no próximo livro, Nosso Chico. Não vou contar porque esse é um depoimento inédito. Mas posso adiantar que passava por uma situação difícil e que, sem comentar a respeito com Chico Xavier, ele psicografou uma carta de Emmanuel para mim. 
Amigo de Chico Xavier por tantos anos, como o senhor o descreveria?
Muito tímido e, quando recebia elogios publicamente, ficava sempre de cabeça baixa. Mas ele era bem alegre. Era um bom contador de piadas. Mas a marca principal dele foi a humildade. Ele sempre se considerava menor que todo mundo. Tanto que uma frase atribuída ao Chico é verdadeira. Ele dizia: “Não sou Chico, sou um cisco”. Ele tinha uma vida modesta. Recusou grandes presentes e propriedades de milhões de reais, uma delas vou mostrar os detalhes em Nosso Chico.
Hoje em dia, algum líder do espiritismo lhe chama a atenção por ter um perfil parecido com o de Chico Xavier? O senhor conhece o trabalho de João de Abadiânia?
Em 1982 ou 1984, levei uma grande reportagem à televisão para o programa Terceira Visão. Uma entrevista de João de Abadia, João de Deus ou João de Abadiânia. Mas não tenho contato com ele há muitos anos. Pelo que observo, há grandes lideranças e grandes oradores espíritas. Hoje no espiritismo temos importantes debatedores, divulgadores da doutrina, mas com as características do Chico, não. Ele era um tipo humano totalmente diferente.

Bela matéria do Site:http://www.partidaechegada.com

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