Judas Iscariotes
(Comunicação mediúnica, recebida em P. Leopoldo, no dia 19 de abril de1935 por Francisco Cândido Xavier, extraído do livro "Notáveis reportagens com Chico Xavier", Editora IDE - Instituto de Difusão Espírita )
Silêncio augusto cai sobre a Cidade Santa. A antiga capital da Judéia parece dormir o seu sono de muitos séculos. Além, descansa Getsêmani, onde o Divino Mestre chorou numa longa noite de agonia; acolá, está o Gólgota sagrado, e em cada coisa silenciosa há um traço da Paixão que as épocas guardarão para sempre.
E, em meio de todo o cenário, como um veio cristalino de lágrimas, passa o Cedron silencioso, como se as suas águas mudas, buscando o Mar Morto, quisessem esconder das vistas dos homens os segredos insondáveis do Nazareno.
Foi assim, numa destas noites, que vi Jerusalém, vivendo a sua eternidade de maldições. Os Espíritos podem vibrar em contato direto com a História.
Buscando uma relação mais íntima com a cidade dos profetas, procurava observar o passado vivo dos Lugares Santos. Parece que as mãos iconoclastas de Tito por ali passaram como executoras de um decreto irrevogável.
Por toda parte ainda persiste um sopro de destruição e desgraça. Legiões de duendes, embuçados nas suas vestimentas antigas, percorrem as ruínas sagradas e, no meio das fatalidades que pesam sobre o império morto dos judeus, não ouvem os homens os gemidos da humanidade invisível.
Nas margens caladas do Cedron, não longe talvez do lugar sagrado onde o Salvador esteve com os discípulos, divisei um homem sentado sobre uma pedra.
De sua expressão fisionômica irradiava-se cativante simpatia.
-Sabe quem é este? -murmurou alguém aos meus ouvidos.
-Este é Judas...
-Judas?
-Sim. Os Espíritos apreciam, às vezes, não obstante o progresso que já alcançaram, volver atrás, visitando os sítios onde se engrandeceram ou prevaricaram, sentindo-se repentinamente transportados aos tempos idos.
Então, mergulham o pensamento no passado, regressando ao presente, dispostos ao heroísmo necessário do futuro. Judas costuma vir à Terra, nos dias em que se comemora a Paixão de Nosso Senhor, meditando nos seus atos de antanho...
Aquela figura de homem magnetizava-me.
Não estou ainda livre da curiosidade do repórter, mas entre as minhas maldades de pecador e a perfeição de Judas existia um abismo. Meu atrevimento, porém, e a santa humildade do seu coração ligaram-se, para que eu o entrevistasse, procurando ouvi-lo:
-O senhor é de fato o ex., filho de Iscariotes? -perguntei.
-Sim, sou Judas -respondeu aquele homem triste, enxugando uma lágrima nas dobras de sua longa túnica. -Como o Jeremias, das Lamentações, contemplo às vezes esta Jerusalém arruinada meditando no juízo dos homens transitórios...
-É uma verdade tudo quanto reza o Novo Testamento a respeito da sua personalidade, na tragédia da condenação de Jesus?
-Em parte... Os escribas que redigiram os Evangelhos não atenderam às circunstâncias e às tricas políticas que, acima dos meus atos, predominaram na nefanda crucificação.
Pôncio Pilatos e o tetrarca da Galiléia, além dos seus interesses individuais na questão, tinham ainda a seu cargo salvaguardar os interesses do Estado romano, empenhado em satisfazer às aspirações religiosas dos anciãos judeus. Sempre a mesma história.
O Sinedrim desejava 9 reino do Céu, pelejando por Jeová a ferro e fogo; Roma queria o reino da Terra. Jesus estava entre essas forças antagônicas, com a sua pureza imaculada. Ora, eu era um dos apaixonados pelas idéias socialistas do Mestre; porém, o meu excessivo zelo pela doutrina me fez sacrificar o seu fundador.
Acima dos corações, eu via a política, única arma com a qual poderia triunfar e Jesus não obteria nenhuma vitória com o seu desprendimento das riquezas.
Com as suas teorias nunca poderia conquistar as rédeas do poder, já que em seu manto de pobre, se sentia possuído de um santo horror à propriedade. Planejei, então, uma revolta surda, como se projeta hoje em dia na Terra a queda de um chefe de Estado.
O Mestre passaria a um plano secundário e eu arranjaria colaboradores para uma obra vasta e enérgica, como a que fez mais tarde Constantino Primeiro, o Grande, depois de vencer Maxêncio às portas de Roma, o que, aliás, apenas serviu para desvirtuar o Cristianismo. Entregando,. pois, o Mestre a Caifás, não julguei que as coisas atingissem um fim tão lamentável e, ralado de remorsos, presumi que o suicídio era a única maneira de me redimir aos seus olhos.
-E chegou a salvar-se pelo arrependimento?
-Não. Não consegui. O remorso é uma força preliminar para os trabalhos reparadores. Depois da minha morte trágica, submergi-me em séculos de sofrimento expiatório da minha falta. Sofri horrores nas perseguições infligidas em Roma, aos adeptos da doutrina de Jesus e as minhas provas culminaram em uma fogueira inquisitorial, onde, imitando o Mestre, fui traído, vendido e usurpado. ( Em sua Ultima Encarnação como Joana D`Arc, saldou seus debitos com o altissimo e com sua conciência)
Vítima da felonia e da traição deixei na Terra os derradeiros resquícios do meu crime, na Europa do século XV.
Desde esse dia em que me entreguei por amor do Cristo a todos os tormentos e infâmias que me aviltavam, com resignação e piedade pelos meus verdugos, fechei o ciclo das minhas dolorosas reencarnações na Terra, sentindo na fronte o ósculo de perdão da minha própria consciência...
-E está hoje meditando nos dias que se foram... -pensei com tristeza.
-Sim... estou recapitulando os fatos como se passaram. E agora, irmimado com Ele, que se acha no seu luminoso Reino das Alturas, que ainda não é deste mundo, sinto nestas estradas o sinal de seus passos divinos. Vejo-o ainda na cruz, entregando a Deus o seu Destino...
Sinto a clamorosa injustiça dos companheiros que o abandonaram inteiramente e me vem uma recordação carinhosa das poucas mulheres que o ampararam no doloroso transe.
Em todas as homenagens a Ele prestadas, eu sou sempre a figura repugnante do traidor. Olho complacentemente os que me acusam sem refletir se podem atirar a primeira pedra... Sobre o meu nome pesa a maldição milenária, como sobre estes sítios cheios de miséria e de infortúnio.
Pessoalmente, porém estou saciado de justiça, porque já fui absolvido pela minha consciência, no tribunal dos suplícios redentores.
Quanto ao Divino Mestre -continuou Judas com os seus prantos -, infinita é a sua misericórdia e não só para comigo, porque, se recebi trinta moedas vendendo-o aos seus algozes, há muito séculos Ele está sendo criminosamente vendido no mundo, a grosso e a retalho, por todos os preços, em todos os padrões do ouro amoedado...
-É verdade -concluí -e os novos negociadores do Cristo não se enforcam depois de vendê-lo.
Judas afastou-se, tomando a direção do Santo Sepulcro, e eu, confundido nas sombras invisíveis para o mundo, vi que no céu brilhavam algumas estrelas sobre as nuvens pardacentas e tristes, enquanto o Cedron rolava na sua quietude como um lençol de águas mortas, procurando um mar morto.
Humberto de Campos
Olá
ResponderExcluirVim agradecer a visita e as palavras de saudação mais agradáveis que recebi.
Obrigado.
Sei que este é um blog de aprendizado, cheio de bondade, por isso vou voltar sempre.
Com carinho BJS.
Gostei sempre que alguem puder ler esta passagem podera perceber, a fragilidade humana ainda com muita vontade de acusar e ofender aquele que era ignorante como o somos ate hoje, que DEUS o abençoe e que possamos recorrer a sua lembrança com caridade e perdão ....
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirA tradição católica pratica todo ano um sistema rancoroso e uma falta de perdão que não combina com Jesus! Judas foi traidor sim arrependeu-se mesmo tarde! E não nos cabe julgar as faltas humanas. Jesus veio para salvar e não para julgar então quem somos nós?
ResponderExcluirO texto original não cita que ele era joana d'arc
ResponderExcluirGente, Judas em nenhum momento foi o traidor da história, ele só cumpriu com o seu dever. O papel de Jesus na terra era morrer para nos salvar. Se Judas o não tivesse feito, outro o faria em seu lugar. Jesus sabia que Judas o entregaria e mesmo assim o perdoou e o amou. Tudo aconteceu como tinha que acontecer. Não cabe a nós julgar o que ele fez, quando no fundo, o que ele fez foi o certo. Sim, e irônico mas é a verdade. Judas tinha os seus pecados e os seus erros, mas ele não merece esse carma de traidor. E cabe a nós perdoar e seguir a vida. Lembrem-se, perdorar não só 7 vezes, mas 70x7.
ResponderExcluirPaz.